sábado, 27 de dezembro de 2008

Poema do Fim do Ano

Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Mora uma louca chamada Esperança:
E quando todas as buzinas fonfonam
quando todos os reco-recos matracam
quando tudo berra quando tudo gira quando tudo apita
A louca tapa os ouvidos
........................................e
.............................................atira-se
e – ó miraculoso vôo! –
Acorda, outra vez menina, lá embaixo, na calçada.
O povo aproxima-se, aflito
E o mais velhinho curva-se e pergunta:
– Como é o teu nome, menininha de olhos verdes?
E ela então sorri a todos eles
E lhes diz, bem devagarinho para que não esqueçam nunca:
– O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...

(Mario Quintana)

A todos, um feliz 2009!!!

domingo, 21 de dezembro de 2008

Trilhos Descarrilhados

Vamos. Pare este trem. Quero descer. Não aguento mais.

Haja fome, desgosto, des-sonho e enjôo.

Pare.

Mente descarrilhada, neurônios destrilhados, pensamentos abortivos...

Pare.

Aponte-me a saída, por favor. Não a urgência, mas a emergência que clama no meu suor, nas minhas lágrimas.

Esqueça.

Cansando estou a cada dia, a cada minuto. E esta tecnologia que insiste em tocar?

Pare.

Já faz tempo que estamos em linhas opostas. Nosso horizonte não é o mesmo. Depois daquele monte, mais outro, e mais outro, e mais outro...

Não dá mais pra esperar nem a próxima estação.

Pare, que eu vou descer. Vou andando.

Aguardar o próximo trem.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Teatro I

Retrato de Graciliano Ramos, de Candido Portinari, 1937. Desenho a carvão e crayon/papel.Na pequena capital, de gostos simples e desejos modestos, havia poucas escadas e ignoravam-se completamente os elevadores. Três andares representavam quase montanha entre as casas acaçapadas. Ninguém pensava em andar nos ares, naturalmente. Santos Dumont ensaiava os seus primeiros vôos baixos em Paris, com muitas quedas, e não se dava crédito aos telegramas que os anunciavam.

Desconhecia-se gasolina: os automóveis ainda não tinham aparecido. A cidade se desenvolvia em sentido horizontal, mas desenvolvia-se moderadamente, sem pressa. Um bondinho puxado por burros atravessava de longe em longe a rua do Comércio, quase vazio. Como rodava devagar e encrencava regularmente nas subidas, as pessoas de horário certo na repartição e na loja procediam com segurança economizando o tostão da passagem.

Um grande silêncio, quebrado raramente pelo pregão dos vendedores ambulantes, pelo rumor das carroças e dum cabriolé pertencente ao governador. Quando esse cabriolé, único, passava diante do liceu, as aulas se interrompiam, a meninada soltava os livros, corria para as janelas, gritando, admirando.

À tardinha as calçadas estreitas se enchiam de cadeiras, os vizinhos palestravam algumas horas como se estivessem num salão, indiferentes aos direitos do transeunte raro, que descia degraus e pezunhava entre barrocas e pontas de pedra. Finda a conversa, recolhiam-se os móveis, fechavam-se as portas e a cidadezinha repousava, ordeira e deserta, à luz de lâmpadas miúdas, que esmoreciam, despertavam, esmoreciam de novo e embasbacavam o sujeito do interior, habituado ao lampião de querosene e à fuligem.

No casarão da usina elétrica fervilhavam enormes baratas voadoras. E, como não havia esgotos, o cheiro das sarjetas era horrível.

Nesse meio, onde as gerações se sucediam invariáveis, o governador saía às vezes do carrinho, andava a pé como os viventes ordinários, mas não andava só. Acompanhavam-no pessoas dedicadas, que lhe seguravam o guarda-chuva, conduziam embrulhos, retiravam do caminho as cascas de banana. Acatavam as opiniões dele e achavam muita graça nas anedotas que ele contava. Esses cavalheiros exerciam cargos notáveis: eram senadores, deputados, secretários, ou parentes de secretários, deputados e senadores.

Dentre eles o mais digno de confiança tomava conta do governo por alguns meses no fim do quadriênio, por deferência à constituição. Lavradas as atas, apurados os votos, espancados ou mortos alguns matutos, o chefe permanente declamava a promessa legal no Congresso e voltava ao seu posto, reaquecido pela manifestação unânime dos eleitores, que nada exigiam e nada recebiam.

Sempre escolhido, S. Exa. determinou exibir gratidão: realizar uma obra que o perpetuasse. Refletiu, fez estudos e procurou conselhos. As rodovias foram repelidas, porque no Estado existiam poucos veículos, além dos carros de bois. Excluíram-se também as pontes e quaisquer construções de alicerces profundos e duvidosos. As escolas eram consideradas prejudiciais. Havia algumas, é certo, para dar emprego às filhas dos prefeitos, mas estas não forneciam aos alunos conhecimentos.

Tudo ponderado, S. Exa. resolveu edificar um teatro. Era o que necessitava a capital. Davam-se ali representações de amadores, apareciam, com modéstia, companhias cambembes, cinemas vagabundos, mágicos e hipnotizadores. Espetáculos verdadeiros não se conheciam.

O projeto foi bem recebido, cresceu. Mas para executá-lo faltava numerário. Pouco se podia esperar do orçamento minguado, tão minguado que os tipos mais volumosos ganhavam, aparentemente, uma insignificância. Impossível aumentar a receita, pois os amigos não pagavam impostos e os inimigos, espremidos, estavam secos. Assim, os agentes políticos arrancavam dos proprietários numerosos presentes para o governador no aniversário dele. Nada de banquetes e discursos: valores. Essa contribuição se tornara meio oficial, e a propriedade miúda, gemendo e chorando, se desfalcava com demonstrações de júbilo em telegramas laudatórios. Seria imprudência onerá-la ainda mais.

Decidiu-se, portanto, para levantar o teatro, arranjar na Europa um empréstimo, que no decorrer dos anos subiu extraordinariamente. O dinheiro obtido produziu vários benefícios, especialmente à personagem encarregada das negociações. Esse funcionário viajou bastante: percorreu alguns países, fixou-se na França, mudou-se para lugar mais seguro e aí findou os seus dias tranqüilo, gordo, europeu, tão esquecido da língua materna que já nem compreendia a vasta correspondência que o chamava. Não houve meio de repatriá-lo, apresentá-lo aos correligionários saudosos.

A quantia que chegou ao Brasil deu para muita coisa, e a parte visível dela converteu-se enfim no teatro anunciado longamente na imprensa. Esburacou-se o terreno, as paredes ergueram-se, mas quando os trabalhos iam a meia altura, verificou-se que o local era impróprio, desmanchou-se tudo e reiniciou-se a construção alguns metros adiante. Vencidos diversos contratempos, o prédio se inaugurou, vistoso, com louvores gerais, e logo na estréia adquiriu fama. Uma companhia italiana cantou lá o Rigoletto, Aída, Barbeiro de Sevilha. Alcançou aplausos calorosos e morreu quase toda de febre amarela. Indivíduos impertinentes xingavam o governo, fato que provocou estranheza. Ora essa! O governo tinha culpa?

Pouco depois surgiu no Estado uma desordem. Gritaram-se discursos nos meetings, os jornais oposicionistas tomaram fôlego, vieram reclamações para o Rio, a polícia desmoralizou-se e aderiu – afinal S. Exa. notou que tinha havido uma reviravolta na opinião pública. Lamentou a inconstância dos homens, retirou-se e, numa obscuridade conveniente, desfrutou velhice próspera e finou-se na paz do Senhor. Percebera na verdade vencimentos bem mesquinhos, mas como não pagava aluguel de casa, imposto, luz, não comprava móveis, roupa de cama, pratos, colheres, e o pessoal doméstico era constituído por elementos da Força Pública, efetuara algumas economias e estava rico.

Nunca se liquidou o empréstimo, naturalmente.

Cultura Política, ano I, nº 7, Rio de Janeiro, set. 1941.

In: Graciliano Ramos. Viventes das Alagoas. 19ª Ed. Rio de Janeiro: Record, 2007, p. 53-57.

Teatro Deodoro – Histórico:
Desde 1898, no governo de Manoel José Duarte, no antigo Largo da Cotinguiba, também chamado "Das Princesas", hoje Praça Deodoro, tenta-se perpetuar os espetáculos culturais em local apropiado. Foram iniciadas as obras de um Teatro que deveria ser chamado "Teatro 16 de Setembro" que por motivos ignorados sua construção foi interrompida e posteriormente demolida e sua área foi ocupada pela estátua eqüestre do proclamador da República. Leia mais.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Cajuína

Existirmos: a que será que se destina?

- Ô! Moço!
- Oi...
- Desculpe incomodar o senhor... Mas é que eu estou sem dinheiro para a passagem... Vim pra cá pra fazer um exame e não tenho dinheiro para voltar, moço...
- Hum... Peraí... Deixa eu ver se eu tenho... É que eu uso a carteirinha para pegar o ônibus... Acho que... Tô. Tem aqui.
- O senhor é estudante, é? Estudante de quê?
- Eu faço Direito...
- Direito, é? Ah! Eu fiz faculdade de Direito também. Em São Paulo. Gostava da parte de Penal... Nélson Hungria, o Damásio de Jesus, conhece?
- Hã... Conheço sim, mas lá a gente estuda com outros autores. Esses são mais clássicos... Acho que nem todo mundo lá conhece. O Damásio ainda é famoso, mas o Nélson Hungria pouca gente sabe quem é...
- Ah. Mas eu gostava muito de Direito Penal, Processo Penal... Lia tudo. Que autor o moço conhece?
- Bom... Lá a gente usa mais o Bittencourt e o Régis Prado. Mas penal não é a minha área favorita, não...
- E qual é a sua área favorita?
- É... Não sei te responder...
- Entendo...
- Mas o senhor estudou há muito tempo?
- Ah, sim. Faz tempo...
- E por que é que o senhor saiu de São Paulo?

(...)

- Vim fazer o exame porque sou portador do HIV. Eu tomo os anti-retrovirais. Antes de começar a tomar, o resultado da contagem de CD4 dava em 200... Hoje, dá 800! Uma contagem normal numa pessoa sem o vírus pode variar entre as 600 e 1200 células CD4 por mm3. A carga viral do HIV-1 também está boa...
- ...Que bom. Mas como foi que o senhor ficou doente?
- Olhe, moço. Nunca traí minha mulher. Foi num acidente.
- Acidente?
- Quando estávamos vindo de São Paulo, sofri um acidente de carro. Minha mulher morreu. Eu tive que fazer transfusão de sangue... Depois descobri que estava doente.
- Mas e por que o senhor não processou o hospital?
- Eu não tinha como provar que foi lá. Mas só pode ter sido, moço. Sou um homem direito. Nunca traí minha mulher. E eu não tinha dinheiro para isso também...
- Entendo...
- O senhor engana, moço. Andando assim curvado de cabeça baixa...
- Ah... É por causa desse sol...
- É o sol está brabo mesmo... Mas muito obrigado, viu moço? Não quero mais atrapalhar o senhor...
- Que é isso? Problema nenhum...
- Deus lhe pague, viu moço? Que o senhor seja um advogado de muito sucesso. O senhor quer advogar?
- Hã... Eu não sei ainda...
- O senhor está em que ano?
- No 4º...
- Entendo... Deus te abençoe, viu moço. Muito obrigado mesmo.
- Não, não foi nada.
- Muito obrigado. Até mais.
- Até...

Existirmos: a que será que se destina?
Pois quando tu me deste a rosa pequenina
Vi que és um homem lindo e que se acaso a sina
Do menino infeliz não se nos ilumina
Tampouco turva-se a lágrima nordestina
Apenas a matéria vida era tão fina
E éramos olharmo-nos intacta retina
A cajuína cristalina em Teresina


(Caetano Veloso)

domingo, 23 de novembro de 2008

Tentativa de ser um escritor

René Magritte. Portrait d'Edward James, 1937Muito bem. Estou aqui diante da folha de papel. O que escrever? Não deve ser difícil, certo? Muita gente escreve. Até Bruna Surfistinha escreve. Então, por que não eu?Mas o que escrever? Um romance, um poema, um conto...? Isso. Um conto. É mais fácil. Não preciso desenvolver muito os personagens. Os personagens? Se quiser, posso deixar apenas um. Ou não deixar. Farei um conto pós-moderno. Não, melhor. Pós-pós-moderno. De vanguarda. Aliás, de pós-vanguarda. Serei um pós-vanguardiano. Certo. Resolvido este detalhe. Será um conto pós-pós-moderno. O que mais agora...? Ah, sim. A história... Bom, será apenas um personagem. Vejamos:

Ele estava ali diante do espelho.

Diante do espelho? E agora? Fazendo o quê? Hum... Não pode ser uma coisa muito óbvia. Afinal, é um conto pós-pós-moderno. Ou talvez justamente por isso, deva ser uma coisa óbvia? Que confuso...

Ele estava ali diante do espelho. E notou que o espelho estava diante dele.

Será que isso passa por profundo? Não quer dizer absolutamente nada, mas pode ser que alguém acabe vislumbrando uma genialidade... Vamos lá.

Ele estava ali diante do espelho. E notou que o espelho estava diante dele. Espesso espelho. Não refletia o que gostaria de ver, mas o avesso. O avesso do nada que, por paradoxal constituição, também é nada. Seu avesso e seu anverso. Verso de ilusão coletiva que desmorona acintes. Finórios saberes do espesso espelho. Por que não refletir a sua imagem, mas o avesso de tudo? Sim, pois de tudo o avesso é o nada. E na espessura do espelho se viam os seus avessos. E os avessos de seus supostos avessos. De que adiantava tudo isso? Ele ainda estava ali. Na frente do espelho. E se saísse? E se fosse para outro lugar? De que adianta? A espessura refletida o acompanharia. Não era a sua imagem, mas era o que era. O espelho não mente.

Essa última frase é particularmente ridícula. Lógico que o espelho não mente, mesmo porque ele não emite nenhuma declaração... Ai, ai, ai. Pressinto que verão alguma genialidade aí... Aliás, já se apresentam genialidades demais. Quero acabar logo com isso...

O espelho não mente. Esta é a verdade absoluta. A verdade da vida. E diante da verdade da vida, da espessura do espelho, do avesso, do anverso e do reverso, ele parou. Parou.

E agora? Um conto pós-pós-moderno...

Ele parou. Parou. E um dromedário morreu na Guatemala.

Certo. Um conto pós-pós-moderno. Sucesso, aí vou eu!

domingo, 2 de novembro de 2008

ELOÁ: O QUE AS MÍDIAS E OS ESPECIALISTAS NÃO DISCUTEM

Não concordo com todos os pontos colocados, existem muito ainda a se aprofundar na temática: violência urbana, pedofilia, machismo, feminismo e sexismo... mas já é melhor do que qualquer entrevista do gênero "especial-paga" que a grande mídia circula por aí... retirado do sítio www.fazendomedia.com

Por Sandra Raquew dos Santos Azevedo (*)

Há menos de 24h do trágico desfecho do seqüestro de Eloá Cristina Pimentel, por Lindemberg Alves, todos atônitos procuramos “compreender” via mediação dos meios de comunicação social e de especialistas da segurança pública, psicólogos, e outros, um fato presente cotidianamente no noticiário: o assassinato de mulheres.

Muitas são as explicações que tentam dar conta do comportamento do jovem, cujo perfil durante o processo de negociação fora retratado pelos meios como de um rapaz tranqüilo, trabalhador, que tinha planos para casar.

“Dificuldade de lidar com as frustrações”; “comportamento passional”, “de tolerância muito baixa às frustrações”, entre outros argumentos são discutidos publicamente em jornais, sites, rádio, enfim, em todo processo de agendamento desta lamentável crônica de mais uma tragédia midiatizada. Inúmeros aspectos deste acontecimento são ressaltados na cobertura: o lugar, os protagonistas, o tempo, amigos, imagens, os momentos de negociação, os lugares de origem de Eloá e Lindemberg, as imagens...

Todavia há um aspecto a ser considerado nesta notícia, e que passa intocado na cobertura de crimes que possuem semelhança com o homicídio de Eloá, o fato de que eles se relacionam com as desigualdades de gênero. Se nos negarmos a discutir também nos noticiários esta face da violência, será muito difícil à superação de algo que pode ser considerado, lamentavelmente, um padrão cultural vigente, a prática de crimes contra as mulheres.

Um breve monitoramento de mídia permite perceber a brutalidade e reificação de crimes como estes: eles não são apenas crimes passionais, podem ser situados numa teia complexa de construção de valores sociais que forjam um feminino fraco, vulnerável, incapaz e sem condições de decidir a própria vida, em contraposição a um modelo de masculinidade rígido e legitimado socialmente a partir da força, da dominação e do controle. São de certa maneira estes alguns dos elementos que mantém os mecanismos psíquicos do poder na constituição do sujeito e a na construção da sujeição.

Perceber os gêneros como processo de mediação do social é urgente para nos darmos conta da violência contra a mulher como um fenômeno social cujo aparecimento cotidiano nas mídias também precisa ser interpretado, refletido com e a partir dos veículos de comunicação e tendo como foco o papel social dos profissionais de imprensa.

A motivação de Lindemberg em manter seqüestrada Eloá e tentar pôr fim à vida da jovem se inter-relaciona com outros fatos conhecidos da sociedade brasileira, como os assassinatos de Ângela Diniz, Sandra Gominde, Daniela Perez, e ainda de inúmeros casos de violência e homicídios femininos que são noticiados, mas que carecem não de uma tentativa de tentar compreender o comportamento masculino, mas de questionar os valores sociais que se reproduzem nas trocas simbólicas e tecem ainda, tristemente, este predomínio do falo que oprime e extermina.

O tiro na virilha de Eloá não é só uma metáfora, mas uma expressão do ódio da tentativa frustrada de continuar mantendo o exercício do controle sobre o corpo das mulheres, por isto me sinto hoje também transpassada por esta bala.

Numa das notícias veiculadas sobre o Caso Eloá, dois personagens sobrenaturais surgiram: um anjinho e um diabinho que acompanhavam Lindemberg. Parece inacreditável, mas este recurso, muito comum entre homens que praticam violência contra as mulheres, aparece mais uma vez como uma máscara, uma performance que busca esconder o lado perverso de um imaginário social que em momentos como este é despertado pelos disparos protagonizados por um homem que representa os mecanismos simbólicos forjados socialmente e que negam cotidianamente às mulheres o seu direito a vida.

(*) Sandra Raquew dos Santos Azevedo é jornalista.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008



Se não há nada para ser dito,
então não diga nada.



domingo, 12 de outubro de 2008

Alegria, Alegria

Salvador Dali, O Livro-Árvore
(sem começo)


Justamente, os investidores estão assustados, tadinhos... Analisem que dúvida cruel: "Onde eu invisto o meu bilhão de dólares?" Ai, ai, ai. Dona Maria, lavadeira na capital alagoana, é que é uma alienada. Imaginem só! O mundo em crise e ela com seus probleminhas sem valor (o de praxe: o marido bêbado, vagabundo e com uma amante, o seu filho de 18 que passou a se drogar e a sua filha de 16 anos que está grávida de sabe lá quem). Ora, Dona Maria, faça-me o favor! O mundo está em crise! E lá vem você me choramingar bobagens...


(sem meio)


Pois é. Dona Maria vai procurar ajuda na Igreja Universal do Reino de Deus. Boa idéia, boa idéia. Vamos mandar os investidores para lá também. Quem sabe, né? (Ou quem sabe é de lá que saem os investidores...)


(sem fim)


Sem pé, nem cabeça. Como a vida, afinal. E, no entanto, numa passagem bíblica, Jesus diz: "Alegria, Alegria".


Caminhando contra o vento
Sem lenço, sem documento
No sol de quase dezembro
Eu vou

O sol se reparte em crimes
Espaçonaves, guerrilhas
Em Cardinales bonitas
Eu vou

Em caras de presidentes
Em grandes beijos de amor
Em dentes, pernas, bandeiras
Bomba e Brigitte Bardot

O sol nas bancas de revista
Me enche de alegria e preguiça
Quem lê tanta notícia?
Eu vou

Por entre fotos e nomes
Os olhos cheios de cores
O peito cheio de amores vãos
Eu vou

Por que não? Por que não?
Ela pensa em casamento
E eu nunca mais fui à escola
Sem lenço, sem documento
Eu vou

Eu tomo uma coca-cola
Ela pensa em casamento
E uma canção me consola
Eu vou

Por entre fotos e nomes
Sem livros e sem fuzil
Sem fome, sem telefone
No coração do Brasil

Ela nem sabe até pensei
Em cantar na televisão
O sol é tão bonito
Eu vou

Sem lenço sem documento
Nada no bolso ou nas mãos
Eu quero seguir vivendo amor
Eu vou

Por que não? Por que não?

(Caetano Veloso)

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

O Ovo Ine"SS"istente

- Você pode tirar uma foto minha?
- Claro.

E peguei a máquina, ao tempo em que o rapaz dava as costas a minha direção.

- Hã... Já tô pronto, viu? Pode se virar agora.
- Não, pode tirar assim. É pra ficar natural...

Que mundo é esse, hein? Vocês já repararam nas fotos de MSN, Orkut e similares? Há foto de gente de perfil, sorrindo e olhando para baixo, olhando pra cima com uma tentativa frustrada de um olhar perdido, deitado numa pose caseira de "mamãe, eu quero ser modelo", de costas naquela de "Hã? Tinha uma câmera aí, é? Olha que coisa... Nem percebi...".
Na minha infância, tudo era estupidamente simples. Não havia máquina digital. Portanto, não se arriscava. Olhava-se diretamente para câmera, sorria-se e, de quebra, dizia-se "Xisssssss". Hoje, são poucas as fotos de alguém nessas condições.


Faz um tempo já. Viajei para Garanhuns para assistir o show do Paulinho da Viola e o do Ney Matogrosso. O do Paulinho da Viola havia sido cancelado e eu não sabia. E o do Ney Matogrosso começou pontualmente, o que me fez perder metade do show e assistir a outra metade sob uma tempestade torrencial que não me permitia enxergar um palmo, ou melhor, que não me permitia enxergar. Mas isso não vem ao caso, eu acho.
Quando estava indo para o show, a gente passou por uma ruela escura, muito mal iluminada mesmo, que disseram vender licor de abacaxi, pitanga, mangaba, acerola, araçá e qualquer outra fruta que se pudesse imaginar. Bom, eu não tinha o menor interesse no licor, muito menos no breu da rua, mas para não ser o do contra - o que, ultimamente, já está se tornando o meu papel institucional - não disse que era a favor, nem contra e decidiram entrar na ruela.
No meio da ruela, havia um bar. Na época da minha vó, seria chamado de espelunca, mas hoje chamam de ambiente underground. Bom, no bar-espelunca-underground, lógico, havia bêbados-pseudointelectuais-undergroudianos. "Gente que lê, entende? Que pensa na população enquanto os burgueses fazem... hã... as suas coisas de burgueses". Se era gente que lia, eu duvido. Se era gente que lia e entendia, isso então acho que era mais complicado ainda.
Bom, nesse meio tempo, o grupo que eu estava não entrou no bar-espelunca-underground. Ficou parado na frente, que também tinha bastante gente, fazendo absolutamente nada. Para sinalizar que estava gostando, alguém soltava um "Massa".
E, do nada, um colega ganhou um ovo. Ovo normal de galinha. Com um detalhe: havia algo escrito. Em letras pretas, estava a palavra "inessistente" e, sobre os dois "s", um "x".
E rolou um diálogo:

- Qué isso?
- Um ovo.
- Oxe. Quero não esse ovo.
- Mas o ovo é seu.
- Mas eu não quero não.
- Mas já é seu.

E o grupo que estava comigo aparentemente percebeu uma atmosfera esquisita e acharam que era melhor se retirar. Eu, a esta altura, já estava achando que finalmente alguma coisa interessante iria acontecer. Uma charada, uma lição, quem sabe?... Ora essa, se o rapaz havia dado um ovo com algo escrito, algum significado haveria de ter. E fiquei involuntariamente com a cabeça trabalhando. Ine-ss-istente. Com dois "s"? Como ninguém comete por engano um erro desses, já se sabe que foi de propósito. Podia ter alguma coisa a ver com insistir? Pode ser... E por que o ovo? E por que ele não existe?
O fato é que passei mais de duas horas pensando nisso e passeando pela cidade com um ovo na mão. Deixei o ovo sozinho por algum tempo quando fui entrar numa exposição no SESC, mas quando voltei, ele continuava lá.
Então, quando não agüentei mais, pedi para voltar ao bar-espelunca-underground. Localizei o rapaz que deu o ovo e, pra que não parecesse que eu não tinha pensado a respeito, fui logo dando a minha explicação:

- Olha só, eu acho que entendi alguma coisa... O ovo simboliza uma relação dual. O "inessistente" é de "insistir". Um indivíduo insiste para que o outro fique com o ovo. E o outro "inessiste" e fica com o ovo. Enquanto isso, o ovo existe para um e inexiste para o outro. Era algo parecido?

É verdade... Eu devia estar com muito sono para concluir isso. Mas enfim, era uma tentativa mesmo. Esperava que a explicação viesse depois. E veio a resposta:

- Hã?
- Hã o quê? Era isso?
- Isso o quê?
- O "inessistente" com dois "s", o...
- Não, aqui tá inexistente com... Hã... É mesmo... Ah, mas isso foi engano...
- Engano? Mas...
- Meu amigo, você tá incomodado com o ovo?
- Hein???
- Tá incomodado? Joga no chão e pronto.

E antes que eu pudesse fazer alguma coisa, o rapaz se afastou e foi decalcar com giz o contorno de um companheiro no muro. Eu, com a minha cara de besta, não joguei o ovo no chão. Coloquei-o em cima do parapeito da janela do bar para que todos vissem o ovo inexistente. E, no fundo, o sentido era que ele inexistia de sentido.

sábado, 16 de agosto de 2008

Carta ao camarada

OuvAndo: Alexia Bomtempo - Friday Song

Grande Camarada.

A cada dia ressalto minhas insitentes raivosidades contra a vossa instituinte pessoa. Seus descaminhos estão me angustiando. Continua há mais de 20 anos cooptando até criancinhas esperançosas, como até velhinhos indefesos, como Didi e Dedé. Triste. Lamentável.

Continuou a adentrar dentro de todos as sistemáticas ações contra a vossa instituinte, inclusive lançando mão de cooptar demo-cracias, inclusive a Corinthiana. Nem mais a Cidade Proibida é mais proibida por conta de suas ações ocidentalizantes. Hoje, age na surdina dentro da Raça Rubro-Negra. É de diarreizar.

Camarada, os processos são contínuos. Cíclicos. Você, totalmente falível. Não existe verdade absoluta, o que surgem são dúvidas abstratas e pueris. A única certeza é de que você não me serve mais. Deixe-me em paz! Livrai-me de ti, ó Zeus Neozelandês!

Não. Não, Camarada. Não existe mais um caminho. A encruzilhada está posta à luz da fumaça que continua acabando com meus pulmões. Não sei mais onde seguir. Esquerda, Direita, Centro, ou Diagonal? Circular? I ou II? Não sei qual roda mais...

Não, não. Existe sim um caminho. Existem ruas, estradas, casas, poderes a serem ocupados. Negociação? Nunca! Tomar vossa instituinte nas ruas, no sangue, caminhando e cantando, correndo atrás do perdido Cidade que não pára mais no ponto.

Sim, Sim! Não me ligue mais! Não me peça mais opiniões! Eu as comprei sem recibo, e o seu Leão está atrás de mim. Tome seus Reais que tomam meus bolsos! Não quero mais seus sonhos unfanísticos mal dormidos! Quero o sono mal dormido dos sonhadores intranquilos que insistem em incomodar-te!

Não?! Sim?! Rasgarei tuas entranhas, rasgarei tuas urnas, incendiarei teu 05 de Outubro da folhinha! Farei gols nos seus fétidos goleiros, enterrarei nas suas podres cestas, conclamarei a discórdia, a desordem e venderei teus terrenos lunares!

Sim, Sim! Não me ligue mais, pois quero me aposentar!! Deixarei-me pra você no silencioso, porém, mas estarei mais ligado do que nunca para a luta. Mas se quiser deixar recado, após o bip, por favor.

Viva o Amor! Viva Cielo! Viva Lula, o Molusco! Viva os Bananas de Pijamas do STF! Viva o celular! Viva a Censura Burguesa!

Vivamos Nós!

PS: Hoje tá é froids... Alguém quer ir no cinema? Me chama...

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Amigo é Casa


Há tempos ando irriquieto. Concentro-me pouco, descubro a cada dia que desconheço a mim mesmo. Mas sempre quando imagino que o poço é mais fundo do que ele aparenta, há de me aparecer quem não me deixa esquecer que a estrada vai muito além do que se vê.

Para vocês, parceir@s do dia-a-dia, parceir@s separados pelo nosso diário instinto de sobrevivência, companheir@s e camaradas que comigo levantam as bandeiras vermelhas de hoje, amanhã e outrora, a porta sempre estará aberta (e a caixa de emails vazia!)...

PS: uma dedicatória tardia, porém muito especial, àqueles que, mesmo debaixo de chuva (e debaixo do orelhão e de muitas reclamações!!), me fizeram sorrir bastante!!

(Capiba / Hermínio Bello de Carvalho)

Amigo é feito casa que se faz aos poucos
e com paciência pra durar pra sempre
Mas é preciso ter muito tijolo e terra

preparar reboco, construir tramelas
Usar a sapiência de um João-de-barro
que constrói com arte a sua residência
há que o alicerce seja muito resistente

que às chuvas e aos ventos
possa então a proteger


E há que fincar muito jequitibá
e vigas de jatobá

e adubar o jardim e plantar muita flor
toiceiras de resedás

não falte um caramanchão
pros tempos idos
lembrar
que os cabelos brancos vão surgindo

Que nem mato na roceira
que mal dá pra capinar

e há que ver os pés de manacá

cheínhos de sabiás

sabendo que os rouxinóis vão trazer arrebóis

choro de imaginar!
pra festa da cumieira não faltem os violões!
muito milho ardendo na fogueira

e quentão farto em gengibre

aquecendo os corações


A casa é amizade construída aos poucos

e que a gente quer com beira e tribeira

Com gelosia feita de matéria rara

e altas platibandas,
com portão bem largo

que é pra se entrar sorrindo

nas horas incertas
sem fazer alarde,
sem causar transtorno


Amigo que é amigo quando quer estar presente
faz-se quase transparente sem deixar-se perceber

Amigo é pra ficar, se chegar, se achegar,

se abraçar, se beijar, se louvar, bendizer

Amigo a gente acolhe, recolhe e agasalha
e oferece lugar pra dormir e comer


Amigo que é amigo não puxa tapete

oferece pra gente o melhor que tem
e o que nem tem
quando não tem,
finge que tem,
faz o que pode
e o seu coração reparte que nem pão.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Teses

A jovem estudante queria ‘qualquer coisa, dona Célia, que fale sobre A mulher e seu condicionamento de explorada pelo machismo’. Era este o título da obra. ‘Vale muitos pontos, sabe?’ Cursava a última série do segundo grau e usava muito mal as palavras, o que me predispunha a uma raiva perigosa das escolas, que eu certamente iria descontar nela. Fiz de desentendida: condicionamento de explorada? É, ela falou meio confusa, essas coisas de apanhar de homem, ser estrupada, ganhar de menos que eles, a senhora entende, né? Serve uma poesia? Perguntei já com um autor na cabeça. Não, poesia, não, poesia é sempre coisa muito – como é que é gente? –, muito assim de leve, não é? E eu quero uma coisa forte, a senhora entende, a professora é fogo na jaca. Meio macha? Ah, dona Célia, como é que a senhora adivinhou? Eu estava gostando da tortura: então, você quer um texto em prosa? Em prosa? Repetiu como se ouvisse língua estrangeira. Não, decidiu categórica, não. Não é nem em poesia, nem em prosa. Quero é um artigo de umas vinte linhas, tipo artigo de jornal, arrematou quase doutora, olhando no relógio. Dá pra senhora fazer? Nem repare eu não entrar, tenho ainda pesquisa de ecologia pra fazer. A moça era muito bonita e preferia que fosse analfabeta. A deficientíssima instrução burlava nela algo muito delicado, punha em sua voz uns meios-tons acima do natural, tisnava de ansiedade sua respiração, com a horrível qualidade dos males inconscientes. É sal em carne podre, pensei, não vou fazer artigo nenhum. Primeiro, porque as mulheres são as culpadas de todo mal, portanto merecem o que sofrem. Segundo, porque não vou salvar a escola do Brasil, nem esta menina, escrevendo lugares-comuns sobre nossa condição. Terceiro porque não quero colaborar com esta mania estúpida das escolas de ‘trabalharem o folclore’, ‘trabalharem o social’ e o que mais seja, nestas ocasiões fixas como calendários lunares: trabalhinos, textinhos, exposiçõezinhas, tudo como num ritual de boas maneiras. Nada desce aos intestinos, vero lugar da aprendizagem. Dia da Mulher? Ah, sei. E daí? Não posso te ajudar, não, Neide Ângela. Não?? Ela falou assustada. Mas vou te emprestar um livro. Livro? Ah, disse decepcionada demais. Não tenho tempo de ler, não, dona Célia, é matéria demais, uma outra hora a senhora me empresta. Tão bonita ela, podia cuidar da vida enquanto descobria sua vocação real, ser uma manicura competente, uma doceira de fama, mas não, quer ‘fazer faculdade’. Quer porque quer. De quem é a culpa, já que as escolas são ma-ra-vi-lho-sas? Ela periga tomar bomba. Está aí, vou contribuir caprichadamente para que ela tome bomba, para que volte este acontecimento formidável da escola antiga, a Bomba, e recuperemos todos a capacidade de sentir medo e respeito. E nem vale ela me olhar com este olhar pidão.


(Adélia Prado. In: Filandras)

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Motriz

Hoje, só uma canção.



Embaixo, a terra; em cima, o macho céu
E, entre os dois, a idéia de um sinal
Traçado em luz
E em tudo, a voz de minha mãe...
E a minha voz na dela...
A tarde dói...
De tão igual.

Que tarde que atravessa o corredor!
Que paz!
Que luz que faz!
Que voz... que dor...
Que doce amargo cada vez que o vento traz
A nossa voz que chama,
Verde do canavial,
Canavial...

E nós, mãe:
Candeias
Motriz!

Aquilo que eu não fiz
e tanto quis
É tudo o que eu não sei,
Mas a voz diz
E que me faz,
E traz capaz
De ser feliz
Pelo céu, pela terra
A tarde igual
Pelo sinal
Pelo sinal

E nós, mãe
E a Penha - Matriz!
Motriz...
Motriz...

(Caetano Veloso)

sábado, 28 de junho de 2008

Brisa

Ai São João, Xangô Menino... Época muito propícia para se viver no Nordeste. Fogueiras rua sim e outra também. Mas não sei dizer... alguma coisa mudou. Época de São João me dá uma certa saudade do que não vivi (como diz alguma música...). Se por um lado, eu gosto da idéia da festa, por outro, acho que a festa não está sendo bem celebrada.
Culpa de quem? Do Luiz Gonzaga, é claro! Vida musical é isso. Por causa das músicas dele, não me acostumo com as músicas que são tocadas hoje... "Como assim forró elétrico?" Sem condições de dançar "Chupa que é de uva" ou "Senta que é de menta"... Aliás, acho que ninguém, nem em seu juízo perfeito, nem alcoolizado, deveria tentar. Pior do que isso são as versões "forrozísticas" de músicas estrangeiras. Aí sim... Nem uma produção original se deram ao trabalho de fazer.
No dia de São João, fui assistir as quadrilhas no Jaraguá. Achei muito bonito, mas me pareceu pouco divertido para quem estava dançando. Algo parecido com o que ocorre com as Escolas de Samba do Rio de Janeiro. A coisa começa como uma brincadeira, depois vira competição, até virar trabalho... No fim, a graça não é mais dançar quadrilha, mas ganhar de alguém.
Pra dizer a verdade, não sei se um dia a quadrilha foi como eu a estou idealizando... Percebo que uma parcela da minha geração (a dita “inlectualizada”) vive a sonhar com um tempo ido e concebido. Seja o tempo da tropicália, ou o período do samba, ou da revolução beatnik, ou até mesmo da revolução russa. Acho que existe uma certa recusa em viver o dia de hoje como ele é.
Não sei. Não estou com muita paciência para ficar pensando nisso.
Ou melhor...
Hoje não estou com muita paciência para pensar.

Vamos viver no Nordeste, Anarina.
Deixarei aqui meus amigos, meus livros, minhas riquezas, minha vergonha.
Deixarás aqui tua filha, tua avó, teu marido, teu amante.
Aqui faz muito calor.
No Nordeste faz calor também.
Mas lá tem brisa:
Vamos viver de brisa, Anarina.

(Manuel Bandeira)

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Meus caros amigos

Hoje é 19 de Junho. Poderia ser também o Dia do Malandro. Uma homenagem pequenina à contribuição dele à nossa cultura, à nossa música e literatura. Bastante influenciado por João Gilberto, Noel Rosa, Tom e Vinícius, foi contemporâneo de Elis, Zimbo Trio, Menescal, Nara Leão, Jorge Ben, Sérgio Mendes e os Cariocas, entre tantos outros finos da bossa. Sem esquecer de Caetano e Gil, expoentes do tropicalismo... sem esquecer do eterno João Cabral de Melo Neto...

Suas letras transcendem épocas e sentimentos. De revolta, opressão, revolução, paixão, amor e desamor ...

Será que são canções desnaturadas? Não sei. São canções que da saudade dos nossos doze anos, que falam do trabalho de pedro pedreiro, ou então a imaginação do se eu fosse o teu patrão... são canções de olhos nos olhos... são retratos em preto e branco da nossa realidade...

Ah, o futebol... "para didi para mané, para pagão, para pelé e canhoteiro..."

Cheias de Partidos Altos, este tricolor carioca deixa diversos refrões para os militantes de 64 e para os guris que militam na roda viva que dura até hoje. A Lua Cheia vem animar a construção de nossos dias...

São grandes circos místicos isso, o são... depois de jogar pedra na Geni, temos até o casamento dos pequenos burgueses?!

Cá entre nós, trocando em miúdos, é inegável que nossas moças tão diferentes, aliás, nós ficamos diferentes ao escutar a Construção, de 71; ou Morte e Vida Severina, de 77; ou a linda ópera do malandro, de 79; e vemos o quanto ficamos cheios de ginga, de embolada, cheia de açúcar, mas com muito afeto.

Bye, Bye, Brasil tem Maceió e tudo, até as morenas de Angola... Ah, Lígia... Ah, Beatriz...

Eu gostaria apenas de fazer essa lembrança a estas tantas palavras Juninho da Adelaide, que percorrem diariamente minhas playlists, em tempos de sol ou de chuva. A todos que já escutaram e que já disseram eu te amo... Sim, e com isso, vou levando.. vai passar e eu vou viver de amor.

Tá, eu sei. Ele é Fluminense. Mas leva o neto rubro-negro ao Maraca. Isso é legal. Quem não ia querer um avô desses?

Pois É
, Eu acho impossível escolher uma. Mas vou deixar uma de tantas que adoro (ô escolha infame...)

Estava à toa na vida, O meu amor me chamou
Pra ver a banda passar, Cantando coisas de amor

A minha gente sofrida, Despediu-se da dor
Pra ver a banda passar, Cantando coisas de amor

O homem sério que contava dinheiro parou, O faroleiro que contava vantagem parou
A namorada que contava as estrelas parou, Para ver, ouvir e dar passagem

A moça triste que vivia calada sorriu, A rosa triste que vivia fechada se abriu
E a meninada toda se assanhou, Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor

Estava à toa na vida, O meu amor me chamou
Pra ver a banda passar, Cantando coisas de amor

A minha gente sofrida, Despediu-se da dor
Pra ver a banda passar, Cantando coisas de amor

O velho fraco se esqueceu do cansaço e pensou, Que ainda era moço pra sair no terraço e dançou
A moça feia debruçou na janela, Pensando que a banda tocava pra ela

A marcha alegre se espalhou na avenida e insistiu, A lua cheia que vivia escondida surgiu
Minha cidade toda se enfeitou, Pra ver a banda passar cantando coisas de amor

Mas para meu desencanto, O que era doce acabou
Tudo tomou seu lugar, Depois que a banda passou

E cada qual no seu canto
Em cada canto uma dor
Depois da banda passar
Cantando coisas de amor
Depois da banda passar
Cantando coisas de amor...

sábado, 14 de junho de 2008

Dez Chamamentos Ao Amigo

Conheci Hilda Hilst no dia de sua morte. Lembro que estava no laboratório de informática quando li a notícia de que havia falecido. Uma fase chata. Tediosa. E sem rumo.
Uma daquelas fases que a gente realmente não sabe pra que veio. Logo, nem pra onde ir. Insatisfeito com as coisas e insatisfeito comigo. Às vezes, criamos expectativas demais para nós mesmos, na esperança, talvez, de que as coisas fiquem mais animadas, mais dinâmicas. E acaba acontecendo justamente o contrário. Ficamos cansados pelo desgaste inútil de energia e sem vontade de fazer mais nada.
Hum... Voltando. Lembro que li a notícia no site e fui procurar saber quem era. Li poemas de sua fase "pornográfica", por assim dizer. Sabe como é, né? A humanidade tem mania de rotular as coisas. Sai separando tudo por "fases" e a fase mais marcante é a usada para definir o todo. Essas definições "globais" são muito úteis para quem tem preguiça de conhecer a obra e precisa ter algo para conversar com os amigos pseudo-intelectuais.
Voltando de novo. Bom, li os poemas e não gostei. Mas pensei cá com os meus botões: "É chato. Mas é cult..." Estava na fase de ostentação da falsa cultura. Enfim, guardei o nome.
O mundo dá voltas, acabei ficando tonto. Muito tempo depois (nem tanto tempo assim, mas quando se tem vinte e poucos anos, alguns anos equivalem a décadas), vou para o show do Zeca Baleiro, do qual só conhecia uma única música: Bandeira. Bom, assistido o show, cantado com toda a minha força a única música que eu sabia, resolvi comprar um CD pra conhecer o moço. O show foi no Teatro Gustavo Leite e a organização colocou CDs à venda na saída. Bom, comprei o primeiro CD que puxei da caixinha e voltei pra pegar o autógrafo do rapaz. CD autografado, chego eu em casa e descubro que o CD não tinha sequer uma música cantada pelo Zeca Baleiro. Nem umazinha. "Potaquepareo", pensei docemente...
Olhei melhor. Tratava-se de poemas da Hilda Hilst, musicados pelo Zeca Baleiro e cantados por cantoras que eu nunca tinha ouvido falar, com exceção da Bethânia ("certo... temos alguma chance") e da Zélia Duncan (que eu não gosto tanto assim)... "POTAQUEPAREO!". Na esperança, comecei pela faixa da Bethânia. Deram o poema mais trucando e sem nenhuma riminha pra ela cantar... "PO-TA-QUE-PA-RE-OOO!"
"Confirmado. Dinheiro perdido", pensei. E deixei o CD guardado, pensando quem seria o próximo aniversariante a ganhar um CD tããããão cult...
Algum tempo depois, um belo dia, sem ter absolutamente nada para fazer e sem nenhuma pretensão, ponho o dito CD para tocar. E algo aconteceu. Sim, senhor. Algo de fato aconteceu.
Escutei o CD a primeira vez, a segunda, a terceira, a quarta... ad infinitum. Li e reli o encarte com os poemas. Fui procurar mais poemas da Hilda Hilst para ver se gostava. E gostei. Gostei dos mesmos poemas que eu não tinha gostado antes. As cantoras que eu não conhecia, passei a conhecer muito bem. Hoje são parte do meu repertório, como Jussara Silveira, Rita Ribeiro, Ná Ozzetti e Mônica Salmaso. E o CD virou para mim um "clássico". Algo que não pode faltar em uma discografia.
Pois bem. Segue um poema. Recomendo, como todo poema, ler em voz alta. Ele ganha uma outra força... A sua. =)

Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse

Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.

Te olhei. E há tanto tempo
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta

Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.

(Hilda Hilst)

domingo, 8 de junho de 2008

últimos dias...

Os últimos dias foram bastante atarefados.
Desculpas mil aos meus companheiros de blog, com quem não falo desde o dia do dilúvio ao som de Zeca Baleiro..rss...
Não há uma explicação única: é um conjunto de contratempos. O primeiro, uma gripe que me deixou de cama por alguns dias, tomando antibiótico, suco de laranja e a comida-oficial-de-doente-aqui-de-casa: purê de batata com carne moída =D
Depois, recuperada, chega a notícia de que minha avó materna está doente.
Na sexta-feira, depois do feriado, seguimos eu e minha mãe pra terrinha natal...Chegamos tarde da noite. Fomos quase que direto para o hospital, ver minha avó.
Nesta mesma noite, mais ou menos 5 e 20 da manhã, ela faleceu.
Eu nunca tinha passado por esta experiência tão de perto. Nunca tinha visto uma pessoa ser enrolada em lençóis brancos e também nunca tinha escolhido um caixão.
Mas também nunca tinha pensando que num quarto de hospital, no meio de 4 pessoas desesperadas eu ia sentir uma alegria tão grande...uma vontade de rir mesmo. E não, não era nervosismo. Porque a alegria perdurou e perdura até agora.
Porque lidamos tão mal com a morte? Hoje acredito que não dizemos adeus: dizemos até a próxima. Então porque ficar triste?
Podemos sentir saudade...uma solidão até...mas tristeza nunca.

Bom, e de lá pra cá, mudanças no trabalho. Indecisões. A sensação de andar na corda bamba sempre. Aprendendo a equilibrar os pratos chineses.
E agora o concurso-dos-sonhos acaba de ter seu edital divulgado.
(Vai fazer, né, Dé?)

Seja o que Deus quiser
Sempre =)

Podres Poderes

Passeando pela internet, acabei achando um documentário feito no Ceará sobre a transposição do Rio São Francisco. Ele é dividido em 5 partes, mas eu acho que vale muito a pena assistir até o fim.

Transposição das Águas do Rio São Francisco

Parte 1



Parte 2



Parte 3



Parte 4



Parte 5




Deixem-me só abrir um pequeno parêntese. Independentemente da posição política que vocês tenham, lembrem-se que acima de questões políticas, existem seres humanos.
Digo isso porque, um belo dia, estava eu assistindo um documentário, oferecido pelo Centro Acadêmico do meu curso, que tratava da ascensão do Lula ao poder. Bom, o vídeo desenvolvia a história a partir dos depoimentos dos metalúrgicos de São Bernardo e dos nordestinos que saíram do, dos que ficaram no e dos que retornaram ao interior do Nordeste.
Acabado o documentário – eu chorando, diga-se de passagem –, inicia-se o debate. "O Lula isso, o Lula aquilo e aquilo outro". Ora, isso é uma mania boba da gente de concentrar todas as culpas do mundo em uma única pessoa. Ou herói, ou vilão. Mas, na verdade, acredito eu, que as situações se formam de toda a sociedade. A esperança de um país melhor, com igualdade, lazer, educação, saúde, etc e etc, não será um Lula que trará. Nem um Lula, nem ninguém. Terá que vir da gente. Do nosso "olhar o próximo". Fala-se de social, da sociedade, do socialismo, sem olhar os indivíduos que os compõem. Somos uma coletividade, mas também somos seres humanos. Somos únicos. Cada um de nós carrega esperanças, sonhos mesmo.
Por mais que a Dona Maria queira um Lula no poder para exprimir sua vontade ou por qualquer outro motivo, ela o quer porque tem um sonho em particular, como o de ter sua casinha própria, para poder morar com os seus filhos, sem que estes precisem ir pra São Paulo tentar ganhar a vida como motoboy ou outro emprego qualquer.
O que eu quero dizer e não sei se estou conseguindo, é que eu não fico triste por todos, pelo social, mas fico triste, na verdade, por cada um deles, individualmente.
E acho que, se os nossos estudantes revolucionários fizessem isso, deixariam talvez de utilizar seres humanos como meros objetos de debate.
Enfim, mas isso é só a minha opinião.

Achei um outro vídeo. Dessa vez, um homem nadando no nosso Riacho Salgadinho. Detalhe: está classificado na categoria "Humor".





Enquanto os homens exercem seus podres poderes
Motos e fuscas avançam os sinais vermelhos
E perdem os verdes
Somos uns boçais

Queria querer gritar setecentas mil vezes
Como são lindos, como são lindos os burgueses
E os japoneses
Mas tudo é muito mais

Será que nunca faremos senão confirmar
A incompetência da América católica
Que sempre precisará de ridículos tiranos?

Será, será que será que será que será
Será que essa minha estúpida retórica
Terá que soar, terá que se ouvir
Por mais zil anos?

Enquanto os homens exercem seus podres poderes
Índios e padres e bichas, negros e mulheres
E adolescentes fazem o carnaval

Queria querer cantar afinado com eles
Silenciar em respeito ao seu transe, num êxtase
Ser indecente
Mas tudo é muito mau

Ou então cada paisano e cada capataz
Com sua burrice fará jorrar sangue demais
Nos pantanais, nas cidades, caatingas
E nos Gerais?

Será que apenas os hermetismos pascoais
Os tons, os mil tons, seus sons e seus dons geniais
Nos salvam, nos salvarão dessas trevas
E nada mais?

Enquanto os homens exercem seus podres poderes
Morrer e matar de fome, de raiva e de sede
São tantas vezes gestos naturais

Eu quero aproximar o meu cantar vagabundo
Daqueles que velam pela alegria do mundo
Indo mais fundo
Tins e bens e tais

(Caetano Veloso)

sábado, 31 de maio de 2008

Salve o Verde

Site Click Árvore Caramba. Há algum tempo atrás, mandei um email pros meus contatos fazendo propaganda do Click Árvore. Para quem ainda não conhece, trata-se de um site onde se pode plantar uma árvore por dia. A árvore será plantada em um dos locais cadastrados pelo projeto, que engloba vários estados brasileiros. A idéia é tentar reconstituir uma parte da Mata Atlântica. Das inúmeras pessoas, umas duas ou três continuam plantando as árvores diariamente. Na minha opinião, isso é preocupante. A humanidade entra praticamente diariamente na internet para conversar no messenger ou para olhar o email. Será que não poderia gastar alguns segundos para ajudar a plantar uma arvorezinha?

E vêm os discursos:

- Ih, esqueci...

Isso mostra o quanto que se pensa hoje em dia nas "causas sociais". Mas só se pensa. Muito papo e pouca ação. Todos têm na ponta da língua que temos que pensar no coletivo e blá-blá-blá. Mas não dá pra lembrar de plantar uma árvore num site?

- Ah, mas como eu vou saber que plantaram mesmo a árvore?

Putz! Essa é medíocre. O site é gratuito e só se leva uns segundos, como eu disse, pra plantar a árvore. Ele mostra o local onde será plantada a árvore e disponibiliza fotos do terreno e, posteriormente, as das mudas já plantadas. Mas, mesmo assim, se não mostrasse e daí? Não se perde absolutamente nada plantando virtualmente a árvore. Cada um faça a sua parte e se quiser fiscalize o projeto, mande emails pedindo maiores informações ou coisas do tipo. Mas faça alguma coisa, ora bolas.


Propaganda (re)feita. Prometo que não dói nada.

Toca viola
Toca viola, violeiro
Segura o ritmo
Segura o ritmo, batuqueiro
Entra na roda
Entra na roda, milongueiro
Pois estão chegando
Estão chegando os partideiros
Cantando assim:
Salve o Verde
Salve o Verde

Deus salve o Verde
Que o homem está acabando
E construindo o Cinza
Salve o Verde
Salve o Verde

Tá faltando grama nesse jardim
Tá faltando árvore nessa cidade
Tá faltando oxigênio nessa atmosfera
O que será, o que será, o que será,
o que será da biosfera?
O que será, o que será, o que será,
o que será da biosfera?

Salve o Verde
Salve o Verde
Salve o Verde

(Jorge Ben)

terça-feira, 27 de maio de 2008

esperando a primavera

Ouvando: Radiohead - Jigsaw Falling Into Place

me deu uma vontade eterna de chorar. muito. derramar lágrimas sem fim. derramar dores e rancores sem parar.

será que sonhar é tão ruim? será que atitudes/opiniões/decisões sempre estão erradas? porque a encruzilhada insiste em aparecer?

sim... uma vontade febril.

e chorei...

chorei porque nem sempre quem tem paciência histórica continua esperando alcançar algo lá na frente. nem sempre a paciência histórica ignora tantos erros e equívocos.

sonhos, lutas, brigas, rompimentos... voltar atrás... dá vontade de chorar...

e chorei.

faltaram-me ombros para enxugarem meu escorrer de lágrimas. faltaram-me sons, palavras, sílabas...

sobraram-me lágrimas...

sobraram-me dúvidas, reticentes e recorrentes...

procuro ainda a esperança mais do que histórica de que maios de luta virão na próxima primavera, vermelha...

procuro mesmo a solidão... ela estava aqui... alguém a viu por aí?

domingo, 11 de maio de 2008

Deixa Chover

O Hipopótamo que só queria ser sequinho. Aguada de nanquim. Alice Prina. http://aliceprina.wordpress.com/Ontem todos os integrantes deste blog estavam novamente reunidos em um evento. Desta vez, tratava-se da 10ª edição do Femusesc, que contava com o show do Zeca Baleiro pra encerrar a noite. Na verdade, o festival começou na sexta. Mas, em virtude do aguaceiro, resolvi ficar em casa e acabei perdendo o show da Roberta Sá.
Entretanto, ontem eu fui. O tempo deu uma melhorada pra que a gente pudesse chegar lá. Primeira atração, um grupo de percussão. Começa a chuviscar. Início do festival. Chuva aumentando, chão alagando. Começo do show do Zeca Baleiro. Já estávamos praticamente com água no tornozelo.
No meio de tudo isso, duas imagens ficaram na minha mente. Um senhor e uma senhora. O senhorzinho, baixinho e mirrado, com um ramalhete de rosas na mão para vender, tentava passar pela multidão alucinada pelo show. Enquanto isso, o tão bem humorado povo tentava roubar uma de suas rosas sem que o senhorzinho percebesse. Já a senhorinha tentava passar pelo pessoal com uma sacola, recolhendo as latinhas que o tão bem educado povo jogava no chão. Tudo isso no escuro, no barulho e no molhado, além do frenético empurra-empurra costumeiro.
Minha geração revolucionária não viu nada disso. Havia um pessoal do movimento estudantil – pelo que soube, simpatizante do PSTU – que vendia a "cerveja dos proletários"...
Enfim, alguns se divertem, outros sobrevivem.
De minha parte, tentei me divertir. Pulei feito um louco com os meus sapatos encharcados. E, no final, tudo acabou bem. Pelo menos pra mim.
O Zeca Baleiro cantou o refrão de uma música do Guilherme Arantes. Esse aí vem me perseguindo desde o réveillon...

Certos dias de chuva
Nem é bom sair
De casa, agitar
É melhor dormir

Se você tentou
E não aconteceu... Valeu!
Infelizmente nem tudo é
Exatamente como a gente quer

As pessoas
Sempre têm
Chance de jogar
De novo e errar
Ver o que convém

Receber alguém
No seu coração, ou não
Infelizmente nem tudo é
Exatamente como a gente quer

Deixa chover
Ah! Ah! Aaaaaaah!
Deixa a chuva molhar
Dentro do peito
Tem um fogo ardendo
Que nunca vai se apagar

Deixa chover
Ah! Ah! Aaaaaaah!
Deixa a chuva molhar
Dentro do peito
Tem um fogo ardendo
Que nunca, nada
Nada vai apagar!

(Guilherme Arantes)

sábado, 3 de maio de 2008

é proibido proibir...

Ao som de:
Planet Hemp - Não Compre, Plante! / Queimando Tudo / Quem tem seda?







Estive desde semana passada querendo tecer comentários (alguns sórdidos, outros nem tanto) sobre a Marcha da Maconha, que se realizará em diversas capitais do mundo neste domingo, dia 04/05.

E, mais um ano se passa e me espanto com tamanho "desassussego" que o debate sobre a erva provoca nas pessoas...

Ou então, como diz Gabeira, "dizer 'maconha' é espalhar um rastro de discórdia".

Pra mim, esse é um debate mais do que necessário. Não apenas sobre a cannabis - considerada droga "leve" -, como também sobre as drogas lícitas que correm por todas as ruas nas mãos de adultos, gestantes e crianças, cenas já naturalizadas em nosso meio social. O debate deve ser estimulado sobre todo o processo de acovardamento do Estado e de suas políticas públicas, que criminalizam e condenam moralmente o usuário por sua conduta "antisocial". Tratamento? Pra quê?

por que não dar um tapa na pantera? só...

Dizem as más línguas que Cleópatra já puxava um "béqui ". Dizem também que foram as sociedades árabes e africanas que trouxeram a dita-cuja ao território americano, em suas jornadas marítimas bem antecessoras às naus portuguesas e espanholas. O uso da marijuana buscava a proximidade da divindade, da plenitude. Também, como utilitário medicinal aos diversos males que acometiam as populações.

Até hoje, a discussão científica é complexa, inconclusa e possui diversos interesses... só pra lembrar, no ano 2000, cientistas da Califórnia chegaram à conclusão de que o fininho dá câncer e cientistas ingleses concluíram que a ganja cura câncer. Dizem até por aí que puxar um baseado é melhor que morfina... Dá pra entender?

Ah, e a Constituição dos Estados Unidos foi escrita em papel de cânhamo - um dos "filhos" da cannabis... - apesar de plantio proibido. Mas alguns magnatas do eucalipto não podiam ter concorrência nem do cânhamo, muito menos dos imigrantes mexicanos chapados que atravessavam a fronteira...

Nos anos 50-60, a situação foi interessante. A erva ascende socialmente, e os filhos da classe média/alta começam a se interessar pelo fumacê. Houve quem dissesse que os cigarrinhos provocavam apatia e desmotivação, e que por isso, tendiam à diminuição da produção dos trabalhadores que faziam seu uso. Os jovens, porém, na busca da liberdade, usavam e abusavam dos bagulhos.

E, em plena época de crescimento absoluto da produção de petróleo, é impossível ao imperialismo pensar que Henry Ford poderia ter pensado e criado um carro movido à cânhamo...

aperta, puxa, prende... e passa... só...

Ah, claro, não precisamos ir tão longe. Os negros africanos, tais quais os mexicanos, sofreram (e sofrem) com o abismo social aqui nesta terra, já que, além de pretos, são maconheiros sociais.

E os diversos líderes mundiais normalmente entram nesse debate com 10 pedras na mão contra a mary jane. E outros "representantes" - aqueles mesmos lá de Brasília, são os mesmos que estão por trás dos grandes traficantes cariocas e paulistas, gerando a discórdia e os atritos sociais. Até porque Maconha, palavra de origem africana, é planta de Exu, o orixá da comunicação, mais conhecido como o Satanás na visão judaico-cristã. Aí fica difícil fumar o cigarrinho do diabo...

Se o debate é urgente, então que o façamos. Um dos exemplos é o II Seminário Maconha na Roda - Políticas Públicas em diálogo com a sociedade civil, que vai acontecer na Federal da Bahia, nesta semana. Reiterando que TODOS os eventos marcados para esta semana, em todo o mundo, proíbem o uso, manuseio, troca e venda de drogas, devido sua ilicitude. Descriminalizar, legalizar, sei lá. Precisamos é discutir realmente o que acontece em nosso meio.

Precisamos também refletir sobre os males que as drogas causam nas pessoas. Antes de tudo, é um problema de educação e saúde pública. Por exemplo, não existe um debate concreto na formação dos profissionais em saúde: existe sim um inculcamento de que "drogas são ruins; trate os seus pacientes; chame a polícia." Ondes estás tu nessas horas, Ministro da Saúde, Temporão? Passando repelente?

Quantas drogas alucinógenas existem em nosso meio e continuamos a tragá-las diariamente? O que não pode é o que o Ministério Público anda fazendo por todo o país, proibindo as marchas, chamando-as de apologias ou dizendo que são apoiadas por traficantes. Este órgãos vêm sim contrariando a ordem pública pelo simples apelo ao status quo, à manutenção das correntes ideológicas hegemônicas; contrárias ao direito à expressão e debate dos diversos grupos neste país. Hoje o que é buscado é o debate, o diálogo com todos, algo que este governo não permite fazer em diversas áreas. Quem tem medo das palavras?

Ou será que agora só poderemos fazer ONG's "chapa-branca", atos "contra a violência" ou "a favor de Isabella"?

Esta é a opinião do Leleco sobre a Mary. Reitero que este post tem nome, sobrenome, email e apelido e estou utilizando deste espaço democrático para meu livre direito à expressão de idéias e opiniões - até que o MP resolva dizer o que não podemos dizer...

Se tivesse a Marcha em Maceió, eu iria. Ainda, puxaria um (um maluco pra ir comigo...). No mínimo, alguns dirão que estou fazendo apologia. Ainda, que estou aprontando seda. Ou então, verificariam a ponta de meus dedos amarelos e concluiríam que estou queimando tudo até a última ponta.

O que não acho mais conveniente é deixar a fumaça baixar...

PS: Estudemos mais antes de reproduzirmos as idéias e sentenças de outrem!!!

Algumas fontes: novo livro do Gabeira; Revista O Dilúvio; Rádio CBN - Cony e Xexeo; Marcha da Maconha 2008, o filme-musical "Hair", baseado numa peça da Broadway, que fala sobre muitos assuntos na década de 70...


Cada coisa que me aparece...

Retirado do excelente Fazendo Media, que eu recomendo por demais... Nossa "luta cidadã" pela dengue está com mais militantes...

'Proteção divina contra dengue' - 13.04.2008 - 18h52

Quem fez as fotos e o texto abaixo foi o sempre atento cartunista Carlos Latuff, cuja arte anti-imperialista é usada no mundo inteiro. Aqui vai sua denúncia contra mais essa malandragem de uma Igreja que abusa da boa fé de milhões de incautos, distorcendo brutalmente os ensinamentos de Jesus Cristo, que lutou contra os vendilhões do templo, condenou a usura dos banqueiros da época e defendeu uma das teses mais revolucionárias que eu conheço: "Ame o próximo como a si mesmo":

Diante da epidemia de dengue que mata no Rio de Janeiro, muitas soluções tem sido apresentadas. Larvicida, fumacê, tendas de hidratação, hospitais de campanha, anúncios na TV e outdoors na tentativa de esclarecer a população quanto ao combate dos focos do mosquito. Esqueça tudo isso! A salvação está num "óleo santo" distribuído pela notória Igreja Universal do Reino de Deus. Num panfleto intitulado "Proteção divina contra a dengue", a Igreja conclama os incautos a se concentrarem nas dependências da suntuosa "Catedral Mundial da Fé", onde receberão um "cálice com o óleo santo" para que "todos sejam livres desta epidemia". No verso do folheto, um espaço para que o fiel possa listar as pessoas que serão agraciadas com a "oração da proteção".

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Relatório de bordo...(alek)

Ouvindo: Singing in the Rain (versão do jamie cullum)

Uma viagem muito proveitosa, assim como a do Leleco.
Repleta de sorrisos, brindes, música, dança, lágrimas, confusões.
Intensa, se é pra resumir numa palavra.

Deu pra ver como a gente complica a vida.
Como as coisas são relativas.
E como a felicidade pode estar bem, bem perto.

Palestras? Algumas, sim.
Mas como em todo congresso, o maior aprendizado é fora da sala.
Conhecer pessoas, locais históricos, músicas...


Mas o contraste, assim como o Leleco comentou, existe sempre.
É impressionante e aterrorizador o quanto ficamos dormentes para este tipo de estímulo.
E é assim que começamos a nos conformar, infelizmente...

Espero voltar!..
E logo! =)

Relatório de bordo...

OuvAndO e DançIndO: Sharon Jones and The Dap-Kings - Natural Born Lover

Uma viagem bem boa. Proveitosa. Deu pra estudar, fazer prova, contatos enferméricos de 3º grau... ah, emprego difícil esse... ah, dívidas que não param de crescer (viva a moratória!!)... ah, deu pra espairecer, dançar, sambar, pra tomar umas e mais algumas...

Impressionante como os cenários vão se confundindo por aí: pobreza e miséria convivendo tranqüilamente com a riqueza e a felicidade nas mesmas ruas - o que muda é o nome do bairro ou da cidade... Impressiona-me, ainda, por mais naturalizadas que pareçam tais cenas.

Vale ressaltar a podridão que o sistema capitalista, capitaneado por imperialistas internacionais e os neoliberais petistas locais, impõe à pessoas tão lindas como nós. Refletir sobre quem somos, o que somos e o que viemos fazer aqui ainda é preciso - e urgente.

Impressiona-me ainda a diversidade de pessoas, estilos e jeitos de viver. É muito bom ver, rever, conversar, conviver, amar pessoas de todos os tipos, capilarizar um pouquinho de felicidade no meio de tanta lama...

Viagem boa... pra tudo... um dia, espero voltar...

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Algumas considerações

Ouvando e meditindo... Juçara Marçal e Kiko Dinucci - Padê

Nas telonas, Alfred Hitchcock trouxe-nos Scottie, um ex-detetive de polícia aposentado de São Francisco, que é contratado por Gavin Elster para vigiar sua mulher Madeleine, que possui tendências suicidas estranhas...

Na vida real, um corpo cai como uma folha cai do galho. Do 6º andar. A mãe acusa o pai e a madrasta. Desesperada pela perda da filha, desabafa no orkut e até já confirma a "criação" de uma ONG. O porteiro, só viu o corpo no chão e o desespero dos dois. Até o pedreiro (e não o mordomo) é acusado.

Há cerca de um mês, uma empresária é acusada de ser mandante no crime de tortura e cárcere privado de uma adolescente.

O Tibet sofre com as torturas chinesas. Dalai Lama é acusado de incitar a violência contra os descendentes da nova-futura-economia-capitalista-em-crise, a "Republica Popular" da China. Dalai também invoca o povo tibetano e os deuses contra Mao Tsé e, claro, o pivô de basquete Yao Ming. Mas a chama da solidariedade humana, digo, dos Jogos, não pode ser apagada.

A REI-toria Universidade de Brasília, lá do centro do poder instituído neste pedaço de mundo, está ocupada por estudantes que reivindicam a saída do corrupto REI-tor Timothy.

Eu continuo baixando CDs de tudo que é site. o Blogger deve acomodar uma infinidade de sites que disponibilizam links de artistas conhecidos e desconhecidos. Impressionante. Cada vez que entro numa home diferente, são links diferentes, são musicalidades diferentes, de todos os jeitos e sentidos. A internet cresce, o meu HD não. E ainda mais, me acusam de pirateiro só porque defendo o genérico (e o ministro da saúde também!).

Chamas se acendem... A mídia marca acirradamente. Temos de tudo: ONG's, Internê, Partidos da Direita (ou Esquerda, dependendo do ponto de vista...), OABê, Youtube, Orkutê... Ou como diria o casal 20 do Jornal Nacional, "a sociedade clama por justiça".

A polícia corre atrás do tempo. Descobrir quem são os "culpados" para tantos crimes...

Principalmente, quem foi o inútil que apagou a tocha - ou diminuiu o meu HD. Este mundo está de cabeça pro ar...


PS: estarei viajando estes dias pra tentar estabelecer rumos pra minha vidinha... torçam e rezem por mim...

...espero voltar...

domingo, 30 de março de 2008

Barato Total

Que feliz. Ontem foi o dia de reunir o pessoal que se encontra toda vez que o terceiro satélite de Júpiter está a 47,89º do eclipse lunar da contelação de Ômega. Tudo muito organizado. É verdade que coincidiu com a véspera do aniversário de um amigo (Ou seja, hoje: feliz aniversário!).
Verdade que nada será como antes. Nos encontrávamos todo santo dia, falávamos besteira toda hora e planejávamos o futuro a todo minuto. Mas, enfim, a vida continua e a gente se esbarra por aí. E toda vez, pelo menos pra mim, é como se nunca tivéssemos nos separado. Tudo tão lindo. Tudo muito fofo. Encontravam-se presentes os três autores deste blog, que fazia anos que não se viam (a internet realmente liga as pessoas). A sede do encontro proporcionou os seus momentos especiais também. E, graças a Deus, consegui confirmar na prática que "quando a gente está contente, barata pode ser um barato total"! Aos meus amigos, obrigado por existirem. Ao Gilberto Gil, obrigado pela trilha sonora... =P

Lá, lalalalalalalá
Lá, lalalalalalalá

Quando a gente tá contente
Tanto faz o quente
Tanto faz o frio
Tanto faz
Que eu me esqueça do meu compromisso
Com isso e aquilo que aconteceu dez minutos atrás
Dez minutos atrás de uma idéia já dão
Pra uma teia de aranha crescer
E prender
Sua vida na cadeia do pensamento
Que de um momento pro outro começa a doer

Quando a gente tá contente
Gente é gente, gato é gato
Barata pode ser um barato total
Tudo que você disser deve fazer bem
Nada que você comer deve fazer mal

Quando a gente tá contente
Nem pensar que tá contente
Nem pensar que tá contente a gente quer
Nem pensar a gente quer
A gente quer, a gente quer
A gente quer é viver!

(Gilberto Gil)

segunda-feira, 24 de março de 2008

Uma canção de amor para você

Ouvando: Dead Fish - Proprietários do Terceiro Mundo + Anarquia Corporation

RDP - Crucificados Pelo Sistema (aaaaaaaaaaaaahhhh!!!!)


Jogo-me no escuro a pensar na (in)exatidão do hoje e do amanhã

Pulo do alto do meu quinto andar para tentar entender o que se passa dentro de mim,

E para me manter vivo, tento sempre continuar a querer estar com você


Olho dentro de teus olhos castanhos e sinto a distância que teima em permanecer,

E para me manter vivo, a paixão ferve dentro do meu peito sob o calor do teu corpo

E cada dia que passa, a saudade aumenta, o desejo incompreensível toma conta de minhas veias...


Aff...


Ouso contra todas as forças da continuidade, do conformismo e o medo que insiste em tomá-la de mim...

Meu coração é um caçador solitário, com vontade incontrolável de encontrar nos seus braços, o conforto e a paz que tanto espero...

Meu coração, despedaçado... teima por você


PS: "As mentiras mais cruéis são frequentemente ditas em silêncio." (Robert Stevensson)

PS 2: Recomendo um filme: "Uma canção de amor para Bobby Long", com o inconfundível John Travolta e a linda bonequinha de porcelana Scarlett Johansson...