sábado, 28 de junho de 2008

Brisa

Ai São João, Xangô Menino... Época muito propícia para se viver no Nordeste. Fogueiras rua sim e outra também. Mas não sei dizer... alguma coisa mudou. Época de São João me dá uma certa saudade do que não vivi (como diz alguma música...). Se por um lado, eu gosto da idéia da festa, por outro, acho que a festa não está sendo bem celebrada.
Culpa de quem? Do Luiz Gonzaga, é claro! Vida musical é isso. Por causa das músicas dele, não me acostumo com as músicas que são tocadas hoje... "Como assim forró elétrico?" Sem condições de dançar "Chupa que é de uva" ou "Senta que é de menta"... Aliás, acho que ninguém, nem em seu juízo perfeito, nem alcoolizado, deveria tentar. Pior do que isso são as versões "forrozísticas" de músicas estrangeiras. Aí sim... Nem uma produção original se deram ao trabalho de fazer.
No dia de São João, fui assistir as quadrilhas no Jaraguá. Achei muito bonito, mas me pareceu pouco divertido para quem estava dançando. Algo parecido com o que ocorre com as Escolas de Samba do Rio de Janeiro. A coisa começa como uma brincadeira, depois vira competição, até virar trabalho... No fim, a graça não é mais dançar quadrilha, mas ganhar de alguém.
Pra dizer a verdade, não sei se um dia a quadrilha foi como eu a estou idealizando... Percebo que uma parcela da minha geração (a dita “inlectualizada”) vive a sonhar com um tempo ido e concebido. Seja o tempo da tropicália, ou o período do samba, ou da revolução beatnik, ou até mesmo da revolução russa. Acho que existe uma certa recusa em viver o dia de hoje como ele é.
Não sei. Não estou com muita paciência para ficar pensando nisso.
Ou melhor...
Hoje não estou com muita paciência para pensar.

Vamos viver no Nordeste, Anarina.
Deixarei aqui meus amigos, meus livros, minhas riquezas, minha vergonha.
Deixarás aqui tua filha, tua avó, teu marido, teu amante.
Aqui faz muito calor.
No Nordeste faz calor também.
Mas lá tem brisa:
Vamos viver de brisa, Anarina.

(Manuel Bandeira)

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Meus caros amigos

Hoje é 19 de Junho. Poderia ser também o Dia do Malandro. Uma homenagem pequenina à contribuição dele à nossa cultura, à nossa música e literatura. Bastante influenciado por João Gilberto, Noel Rosa, Tom e Vinícius, foi contemporâneo de Elis, Zimbo Trio, Menescal, Nara Leão, Jorge Ben, Sérgio Mendes e os Cariocas, entre tantos outros finos da bossa. Sem esquecer de Caetano e Gil, expoentes do tropicalismo... sem esquecer do eterno João Cabral de Melo Neto...

Suas letras transcendem épocas e sentimentos. De revolta, opressão, revolução, paixão, amor e desamor ...

Será que são canções desnaturadas? Não sei. São canções que da saudade dos nossos doze anos, que falam do trabalho de pedro pedreiro, ou então a imaginação do se eu fosse o teu patrão... são canções de olhos nos olhos... são retratos em preto e branco da nossa realidade...

Ah, o futebol... "para didi para mané, para pagão, para pelé e canhoteiro..."

Cheias de Partidos Altos, este tricolor carioca deixa diversos refrões para os militantes de 64 e para os guris que militam na roda viva que dura até hoje. A Lua Cheia vem animar a construção de nossos dias...

São grandes circos místicos isso, o são... depois de jogar pedra na Geni, temos até o casamento dos pequenos burgueses?!

Cá entre nós, trocando em miúdos, é inegável que nossas moças tão diferentes, aliás, nós ficamos diferentes ao escutar a Construção, de 71; ou Morte e Vida Severina, de 77; ou a linda ópera do malandro, de 79; e vemos o quanto ficamos cheios de ginga, de embolada, cheia de açúcar, mas com muito afeto.

Bye, Bye, Brasil tem Maceió e tudo, até as morenas de Angola... Ah, Lígia... Ah, Beatriz...

Eu gostaria apenas de fazer essa lembrança a estas tantas palavras Juninho da Adelaide, que percorrem diariamente minhas playlists, em tempos de sol ou de chuva. A todos que já escutaram e que já disseram eu te amo... Sim, e com isso, vou levando.. vai passar e eu vou viver de amor.

Tá, eu sei. Ele é Fluminense. Mas leva o neto rubro-negro ao Maraca. Isso é legal. Quem não ia querer um avô desses?

Pois É
, Eu acho impossível escolher uma. Mas vou deixar uma de tantas que adoro (ô escolha infame...)

Estava à toa na vida, O meu amor me chamou
Pra ver a banda passar, Cantando coisas de amor

A minha gente sofrida, Despediu-se da dor
Pra ver a banda passar, Cantando coisas de amor

O homem sério que contava dinheiro parou, O faroleiro que contava vantagem parou
A namorada que contava as estrelas parou, Para ver, ouvir e dar passagem

A moça triste que vivia calada sorriu, A rosa triste que vivia fechada se abriu
E a meninada toda se assanhou, Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor

Estava à toa na vida, O meu amor me chamou
Pra ver a banda passar, Cantando coisas de amor

A minha gente sofrida, Despediu-se da dor
Pra ver a banda passar, Cantando coisas de amor

O velho fraco se esqueceu do cansaço e pensou, Que ainda era moço pra sair no terraço e dançou
A moça feia debruçou na janela, Pensando que a banda tocava pra ela

A marcha alegre se espalhou na avenida e insistiu, A lua cheia que vivia escondida surgiu
Minha cidade toda se enfeitou, Pra ver a banda passar cantando coisas de amor

Mas para meu desencanto, O que era doce acabou
Tudo tomou seu lugar, Depois que a banda passou

E cada qual no seu canto
Em cada canto uma dor
Depois da banda passar
Cantando coisas de amor
Depois da banda passar
Cantando coisas de amor...

sábado, 14 de junho de 2008

Dez Chamamentos Ao Amigo

Conheci Hilda Hilst no dia de sua morte. Lembro que estava no laboratório de informática quando li a notícia de que havia falecido. Uma fase chata. Tediosa. E sem rumo.
Uma daquelas fases que a gente realmente não sabe pra que veio. Logo, nem pra onde ir. Insatisfeito com as coisas e insatisfeito comigo. Às vezes, criamos expectativas demais para nós mesmos, na esperança, talvez, de que as coisas fiquem mais animadas, mais dinâmicas. E acaba acontecendo justamente o contrário. Ficamos cansados pelo desgaste inútil de energia e sem vontade de fazer mais nada.
Hum... Voltando. Lembro que li a notícia no site e fui procurar saber quem era. Li poemas de sua fase "pornográfica", por assim dizer. Sabe como é, né? A humanidade tem mania de rotular as coisas. Sai separando tudo por "fases" e a fase mais marcante é a usada para definir o todo. Essas definições "globais" são muito úteis para quem tem preguiça de conhecer a obra e precisa ter algo para conversar com os amigos pseudo-intelectuais.
Voltando de novo. Bom, li os poemas e não gostei. Mas pensei cá com os meus botões: "É chato. Mas é cult..." Estava na fase de ostentação da falsa cultura. Enfim, guardei o nome.
O mundo dá voltas, acabei ficando tonto. Muito tempo depois (nem tanto tempo assim, mas quando se tem vinte e poucos anos, alguns anos equivalem a décadas), vou para o show do Zeca Baleiro, do qual só conhecia uma única música: Bandeira. Bom, assistido o show, cantado com toda a minha força a única música que eu sabia, resolvi comprar um CD pra conhecer o moço. O show foi no Teatro Gustavo Leite e a organização colocou CDs à venda na saída. Bom, comprei o primeiro CD que puxei da caixinha e voltei pra pegar o autógrafo do rapaz. CD autografado, chego eu em casa e descubro que o CD não tinha sequer uma música cantada pelo Zeca Baleiro. Nem umazinha. "Potaquepareo", pensei docemente...
Olhei melhor. Tratava-se de poemas da Hilda Hilst, musicados pelo Zeca Baleiro e cantados por cantoras que eu nunca tinha ouvido falar, com exceção da Bethânia ("certo... temos alguma chance") e da Zélia Duncan (que eu não gosto tanto assim)... "POTAQUEPAREO!". Na esperança, comecei pela faixa da Bethânia. Deram o poema mais trucando e sem nenhuma riminha pra ela cantar... "PO-TA-QUE-PA-RE-OOO!"
"Confirmado. Dinheiro perdido", pensei. E deixei o CD guardado, pensando quem seria o próximo aniversariante a ganhar um CD tããããão cult...
Algum tempo depois, um belo dia, sem ter absolutamente nada para fazer e sem nenhuma pretensão, ponho o dito CD para tocar. E algo aconteceu. Sim, senhor. Algo de fato aconteceu.
Escutei o CD a primeira vez, a segunda, a terceira, a quarta... ad infinitum. Li e reli o encarte com os poemas. Fui procurar mais poemas da Hilda Hilst para ver se gostava. E gostei. Gostei dos mesmos poemas que eu não tinha gostado antes. As cantoras que eu não conhecia, passei a conhecer muito bem. Hoje são parte do meu repertório, como Jussara Silveira, Rita Ribeiro, Ná Ozzetti e Mônica Salmaso. E o CD virou para mim um "clássico". Algo que não pode faltar em uma discografia.
Pois bem. Segue um poema. Recomendo, como todo poema, ler em voz alta. Ele ganha uma outra força... A sua. =)

Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse

Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.

Te olhei. E há tanto tempo
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta

Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.

(Hilda Hilst)

domingo, 8 de junho de 2008

últimos dias...

Os últimos dias foram bastante atarefados.
Desculpas mil aos meus companheiros de blog, com quem não falo desde o dia do dilúvio ao som de Zeca Baleiro..rss...
Não há uma explicação única: é um conjunto de contratempos. O primeiro, uma gripe que me deixou de cama por alguns dias, tomando antibiótico, suco de laranja e a comida-oficial-de-doente-aqui-de-casa: purê de batata com carne moída =D
Depois, recuperada, chega a notícia de que minha avó materna está doente.
Na sexta-feira, depois do feriado, seguimos eu e minha mãe pra terrinha natal...Chegamos tarde da noite. Fomos quase que direto para o hospital, ver minha avó.
Nesta mesma noite, mais ou menos 5 e 20 da manhã, ela faleceu.
Eu nunca tinha passado por esta experiência tão de perto. Nunca tinha visto uma pessoa ser enrolada em lençóis brancos e também nunca tinha escolhido um caixão.
Mas também nunca tinha pensando que num quarto de hospital, no meio de 4 pessoas desesperadas eu ia sentir uma alegria tão grande...uma vontade de rir mesmo. E não, não era nervosismo. Porque a alegria perdurou e perdura até agora.
Porque lidamos tão mal com a morte? Hoje acredito que não dizemos adeus: dizemos até a próxima. Então porque ficar triste?
Podemos sentir saudade...uma solidão até...mas tristeza nunca.

Bom, e de lá pra cá, mudanças no trabalho. Indecisões. A sensação de andar na corda bamba sempre. Aprendendo a equilibrar os pratos chineses.
E agora o concurso-dos-sonhos acaba de ter seu edital divulgado.
(Vai fazer, né, Dé?)

Seja o que Deus quiser
Sempre =)

Podres Poderes

Passeando pela internet, acabei achando um documentário feito no Ceará sobre a transposição do Rio São Francisco. Ele é dividido em 5 partes, mas eu acho que vale muito a pena assistir até o fim.

Transposição das Águas do Rio São Francisco

Parte 1



Parte 2



Parte 3



Parte 4



Parte 5




Deixem-me só abrir um pequeno parêntese. Independentemente da posição política que vocês tenham, lembrem-se que acima de questões políticas, existem seres humanos.
Digo isso porque, um belo dia, estava eu assistindo um documentário, oferecido pelo Centro Acadêmico do meu curso, que tratava da ascensão do Lula ao poder. Bom, o vídeo desenvolvia a história a partir dos depoimentos dos metalúrgicos de São Bernardo e dos nordestinos que saíram do, dos que ficaram no e dos que retornaram ao interior do Nordeste.
Acabado o documentário – eu chorando, diga-se de passagem –, inicia-se o debate. "O Lula isso, o Lula aquilo e aquilo outro". Ora, isso é uma mania boba da gente de concentrar todas as culpas do mundo em uma única pessoa. Ou herói, ou vilão. Mas, na verdade, acredito eu, que as situações se formam de toda a sociedade. A esperança de um país melhor, com igualdade, lazer, educação, saúde, etc e etc, não será um Lula que trará. Nem um Lula, nem ninguém. Terá que vir da gente. Do nosso "olhar o próximo". Fala-se de social, da sociedade, do socialismo, sem olhar os indivíduos que os compõem. Somos uma coletividade, mas também somos seres humanos. Somos únicos. Cada um de nós carrega esperanças, sonhos mesmo.
Por mais que a Dona Maria queira um Lula no poder para exprimir sua vontade ou por qualquer outro motivo, ela o quer porque tem um sonho em particular, como o de ter sua casinha própria, para poder morar com os seus filhos, sem que estes precisem ir pra São Paulo tentar ganhar a vida como motoboy ou outro emprego qualquer.
O que eu quero dizer e não sei se estou conseguindo, é que eu não fico triste por todos, pelo social, mas fico triste, na verdade, por cada um deles, individualmente.
E acho que, se os nossos estudantes revolucionários fizessem isso, deixariam talvez de utilizar seres humanos como meros objetos de debate.
Enfim, mas isso é só a minha opinião.

Achei um outro vídeo. Dessa vez, um homem nadando no nosso Riacho Salgadinho. Detalhe: está classificado na categoria "Humor".





Enquanto os homens exercem seus podres poderes
Motos e fuscas avançam os sinais vermelhos
E perdem os verdes
Somos uns boçais

Queria querer gritar setecentas mil vezes
Como são lindos, como são lindos os burgueses
E os japoneses
Mas tudo é muito mais

Será que nunca faremos senão confirmar
A incompetência da América católica
Que sempre precisará de ridículos tiranos?

Será, será que será que será que será
Será que essa minha estúpida retórica
Terá que soar, terá que se ouvir
Por mais zil anos?

Enquanto os homens exercem seus podres poderes
Índios e padres e bichas, negros e mulheres
E adolescentes fazem o carnaval

Queria querer cantar afinado com eles
Silenciar em respeito ao seu transe, num êxtase
Ser indecente
Mas tudo é muito mau

Ou então cada paisano e cada capataz
Com sua burrice fará jorrar sangue demais
Nos pantanais, nas cidades, caatingas
E nos Gerais?

Será que apenas os hermetismos pascoais
Os tons, os mil tons, seus sons e seus dons geniais
Nos salvam, nos salvarão dessas trevas
E nada mais?

Enquanto os homens exercem seus podres poderes
Morrer e matar de fome, de raiva e de sede
São tantas vezes gestos naturais

Eu quero aproximar o meu cantar vagabundo
Daqueles que velam pela alegria do mundo
Indo mais fundo
Tins e bens e tais

(Caetano Veloso)