quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Cajuína

Existirmos: a que será que se destina?

- Ô! Moço!
- Oi...
- Desculpe incomodar o senhor... Mas é que eu estou sem dinheiro para a passagem... Vim pra cá pra fazer um exame e não tenho dinheiro para voltar, moço...
- Hum... Peraí... Deixa eu ver se eu tenho... É que eu uso a carteirinha para pegar o ônibus... Acho que... Tô. Tem aqui.
- O senhor é estudante, é? Estudante de quê?
- Eu faço Direito...
- Direito, é? Ah! Eu fiz faculdade de Direito também. Em São Paulo. Gostava da parte de Penal... Nélson Hungria, o Damásio de Jesus, conhece?
- Hã... Conheço sim, mas lá a gente estuda com outros autores. Esses são mais clássicos... Acho que nem todo mundo lá conhece. O Damásio ainda é famoso, mas o Nélson Hungria pouca gente sabe quem é...
- Ah. Mas eu gostava muito de Direito Penal, Processo Penal... Lia tudo. Que autor o moço conhece?
- Bom... Lá a gente usa mais o Bittencourt e o Régis Prado. Mas penal não é a minha área favorita, não...
- E qual é a sua área favorita?
- É... Não sei te responder...
- Entendo...
- Mas o senhor estudou há muito tempo?
- Ah, sim. Faz tempo...
- E por que é que o senhor saiu de São Paulo?

(...)

- Vim fazer o exame porque sou portador do HIV. Eu tomo os anti-retrovirais. Antes de começar a tomar, o resultado da contagem de CD4 dava em 200... Hoje, dá 800! Uma contagem normal numa pessoa sem o vírus pode variar entre as 600 e 1200 células CD4 por mm3. A carga viral do HIV-1 também está boa...
- ...Que bom. Mas como foi que o senhor ficou doente?
- Olhe, moço. Nunca traí minha mulher. Foi num acidente.
- Acidente?
- Quando estávamos vindo de São Paulo, sofri um acidente de carro. Minha mulher morreu. Eu tive que fazer transfusão de sangue... Depois descobri que estava doente.
- Mas e por que o senhor não processou o hospital?
- Eu não tinha como provar que foi lá. Mas só pode ter sido, moço. Sou um homem direito. Nunca traí minha mulher. E eu não tinha dinheiro para isso também...
- Entendo...
- O senhor engana, moço. Andando assim curvado de cabeça baixa...
- Ah... É por causa desse sol...
- É o sol está brabo mesmo... Mas muito obrigado, viu moço? Não quero mais atrapalhar o senhor...
- Que é isso? Problema nenhum...
- Deus lhe pague, viu moço? Que o senhor seja um advogado de muito sucesso. O senhor quer advogar?
- Hã... Eu não sei ainda...
- O senhor está em que ano?
- No 4º...
- Entendo... Deus te abençoe, viu moço. Muito obrigado mesmo.
- Não, não foi nada.
- Muito obrigado. Até mais.
- Até...

Existirmos: a que será que se destina?
Pois quando tu me deste a rosa pequenina
Vi que és um homem lindo e que se acaso a sina
Do menino infeliz não se nos ilumina
Tampouco turva-se a lágrima nordestina
Apenas a matéria vida era tão fina
E éramos olharmo-nos intacta retina
A cajuína cristalina em Teresina


(Caetano Veloso)

Um comentário:

Anônimo disse...

sem comentários... adorei, mto bom msm.. Dá pra tirar tanta coisa desse bate-papo que nem sei o q dizer... rsrs